Os vários factores de ameaça a que as espécies animais estão sujeitas são, na sua maioria, os responsáveis pelo ingresso destas aves nos centros de recuperação. O abate a tiro, o cativeiro e o envenenamento ilegais são alguns dos factores de ameaça directamente provocados pelo ser humano, com o objectivo concreto de actuar sobre determinados animais. Existem, ainda, alguns factores antropológicos que poderemos considerar como “indirectos”, em que estruturas humanas provocam lesões nos animais selvagens, tal como a colisão contra estruturas variadas, electrocussão, atropelamento ou captura acidental/lesões provocadas por redes, linha ou anzóis de pesca.
Este último factor é particularmente importante quando nos referimos a espécies aquáticas, que se alimentam, habitam ou utilizam de algum modo os recursos marinhos ou dulceaquícolas, como são um grande número dos animais que habitam na costa algarvia e, assim, que podem ingressar no RIAS.
Desde o início da sua gestão pela Associação ALDEIA, em Outubro de 2009, este centro já recebeu 18 animais capturados ou feridos em redes, linhas ou anzóis de pesca. Desses, apenas 5 foram possíveis de devolver à Natureza e 3 foram transferidos para outros centros de recuperação ou educação ambiental. Mais de 50% dos animais que ingressaram nestas circunstâncias, não resistiram aos ferimentos ou foi necessário eutanasiá-los, o que demonstra a gravidade e impacto deste factor na fauna selvagem.
Espécie
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Nome comum |
Situação no RIAS |
Data de ingresso
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Ciconia ciconia
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Cegonha-branca
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Transferido
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01-10-2009
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Morus bassanus
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Ganso-patola
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Morreu após 2 dias
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22-05-2010
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Morus bassanus
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Ganso-patola
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Morto
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26-05-2010
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Morus bassanus
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Ganso-patola
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Morreu em 2 dias
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28-07-2010
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Morus bassanus
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Ganso-patola
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Libertado
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19-01-2011
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Pluvialis squatarola
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Tarambola-cinzenta
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Eutanasiado (primária)
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24-01-2011
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Phalacrocorax carbo
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Corvo-marinho-de-faces-brancas
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Libertado
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29-01-2011
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Larus michahellis
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Gaivota-de-patas-amarelas
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Morreu após 1º mês
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09-02-2011
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Larus michahellis
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Gaivota-de-patas-amarelas
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Eutanasiado (secundária)
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15-02-2011
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Phalacrocorax carbo
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Corvo-marinho-de-faces-brancas
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Morreu em 2 dias
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23-03-2011
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Phalacrocorax carbo
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Corvo-marinho-de-faces-brancas
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Libertado
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24-03-2011
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Phalacrocorax carbo
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Corvo-marinho-de-faces-brancas
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Libertado
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24-03-2011
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Larus michahellis
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Gaivota-de-patas-amarelas
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Libertado
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16-04-2011
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Caretta caretta
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Tartaruga-comum
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Transferido
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23-04-2011
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Larus michahellis
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Gaivota-de-patas-amarelas
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Morreu após 2 dias
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26-04-2011
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Caretta caretta
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Tartaruga-comum
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Transferido
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03-05-2011
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Larus michahellis
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Gaivota-de-patas-amarelas
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Morreu após 2 dias
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15-05-2011
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Morus bassanus
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Ganso-patola
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Morreu em 2 dias
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24-05-2011
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Gaivota-de-patas-amarelas com um aparelho de anzóis preso no bico
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Ganso-patola que ingressou devido a lesão provocada por um fio de pesca
Raio-x de um ganso-patola com um anzol no tracto digestivo
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Tartaruga-comum capturada em redes de pesca
E ainda a reportagem de um caso de sucesso na recuperação de uma das tartarugas-comuns que ingressaram no RIAS, após ter ficado presa em redes de pesca, e cuja finalização da recuperação e libertação foram executadas pelo CRAM-Quiaios:
Algumas das artes de pesca amplamente utilizadas são as principais responsáveis por esta situação e sendo este um grave problema reconhecido a nível mundial, a Comissão Europeia solicitou ao Conselho Internacional para a Exploração do Mar (CIEM) que lhe “transmitisse uma avaliação da situação nas águas da União Europeia. Esse estudo permitiu identificar os tipos de pesca que levam a uma mortalidade das aves marinhas, bem como as principais zonas de pesca em que tal ocorre.”
Esse estudo concluiu que, em primeiro lugar, a pesca com palangre é aquela que possui um maior impacto nas aves marinhas.
“No Mediterrâneo, espécies inscritas na lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) são atingidas por essas artes de pesca, nomeadamente a pardela sombria das Baleares (Puffinus mauretanicus), em perigo crítico de extinção, e a pardela do Mediterrâneo (Puffinus yelkouan), quase ameaçada de extinção. A pardela-de-bico-amarelo (Calonectris diomedea) é a espécie que mais frequentemente é vítima dessas capturas acessórias. Nas águas do Atlântico Norte, os fulmares (Atlântico Nordeste), os gansos-patola (mares ibéricos) e as pardelas (mares ibéricos e célticos) figuram entre as principais vítimas das capturas acidentais. (1)
Outra arte de pesca que coloca problemas: as redes de emalhar. As aves mergulhadoras (pardelas, corvos-marinhos, mobelhas…) ficam presas nas malhas destas redes e acabam por se afogar, em especial no mar Báltico e no mar do Norte. Várias dezenas de milhares de patos-de-cauda-afilada (Clangula hyemalis) morrem todos os anos nestas redes. O êider de Steller (Polysticta stelleri), classificado entre as espécies vulneráveis, é também extremamente afectado.” (1)
Atendendo a esta avaliação e à importância deste assunto, a Comissão Europeia propõe cinco campos de acção. “Seria conveniente, em primeiro lugar, melhorar os nossos conhecimentos sobre as capturas acidentais, uma vez que os dados continuam a ser lacunares. Em segundo lugar: trata-se de implementar, nas zonas problemáticas identificadas, pelo menos duas medidas de limitação escolhidas dentre um leque de possibilidades: colocar as redes de noite, lastrar as redes de forma a que não flutuem, dispor redes de dissuasão, etc. Um terceiro campo de acção destina-se a incentivar a adopção de tais medidas nas águas internacionais no seio das ORP (Organizações Regionais de gestão das Pescas). Em quarto lugar: favorecer a investigação, a fim de melhorar o arsenal de dispositivos de prevenção existentes. Por fim, um quinto campo de acção seria o da formação dos pescadores para a utilização destes dispositivos.” (1)
A recolha dos animais no local deverá ser sempre executada por autoridades competentes e conhecedoras de modo a evitar o aparecimento de lesões, ou a sua intensificação, e stress para o animal ou lesões na própria pessoa que o recolhe. Conhecer detalhes como a ausência de narinas nos gansos-patola (adaptação à sua capacidade de mergulho) farão toda a diferença no momento da sua manipulação (nunca se poderá fechar o seu bico completamente ou a ave sufocará)
Na necessidade eminente de ter que recolher um destes animais, recorde-se de que se tratam de animais selvagens feridos e que muito provavelmente, na impossibilidade de conseguirem escapar, se tentarão “defender”. Anzóis presos num animal deverão ser sempre cortados e não puxados. No caso das linhas e redes, também deverão ser cortadas e apenas retiradas do corpo do animal se não provocarem lesões ou, nesse caso, somente na presença de um veterinário que possa actuar prontamente em caso de hemorragia ou fractura.
Bibliografia:
(1) In: A pesca e a Aquicultura na Europa, revista n.° 49, Publicação da Comissão Europeia, Direcção-Geral dos Assuntos Marítimos e da Pesca, Novembro de 2010
(2) In: Sensibilização aos pescadores da pesca de espinhel para a redução da mortalidade de aves marinhas no Brasil, Sara Ferreira de Sousa Monteiro, Universidade de Aveiro, 2005
Para mais informações: